quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Jogo de cintura




 Para ter uma passada eficiente, não basta ter perna: é preciso força e flexibilidade nos quadris. Assim você reduz as chances de lesões e rende o máximo na corrida
Por Lili Figueroa e Patricia Julianelli | Ilustrações Luciano Veronezi

Se perguntarmos a um corredor que estruturas do corpo estão envolvidas em uma corrida, a imensa maioria responderia na lata: as pernas. Alguns mencionariam os glúteos, e os mais experientes fariam uma menção honrosa ao abdome. Poucos teriam consciência do papel dos quadris para um movimento eficiente. Correr pode ser algo natural, mas para obter sua melhor performance é preciso trabalhar postura e técnica, e os quadris podem sabotar ou alavancar sua corrida.
Segundo Renan Malvestio, especialista em fisioterapia do esporte pela Unifesp e sócio da clínica SportsCare Club, em São Paulo, grande parte das lesões em corredores se origina na região dos quadris. “Como na fase de apoio da corrida [aterrissagem] sempre temos apenas um pé no chão, todo o peso do tronco acaba sustentado por apenas um dos quadris, o que demanda grande controle dessa articulação”, afirma. Se há uma falha na sustentação do quadril, isso vai desencadear uma série de compensações ao longo do membro inferior, atingindo os joelhos e os pés, o que pode causar dores e até mesmo lesões. Você está de olho no relógio? O rendimento também pode ser comprometido.
Na aterrissagem, se o quadril cai para o lado, por exemplo, o joelho pode acabar indo para dentro. A partir daí, na propulsão, você é obrigado a retornar desse desvio para dar impulso”, explica. Resultado: desperdício de energia com esse movimento e perda de um tempo precioso. 

O X da questão
A cada passada, a força do impacto é transmitida pela perna, desde o osso da coxa (fêmur) até o quadril. Como esse momento sempre ocorre em um pé só, a tendência natural seria de uma queda do quadril para o lado sem apoio, como se tirássemos os pés de uma mesa só de um lado. No entanto, nós temos músculos responsáveis por esse controle. Existem os mais superficiais (como o glúteo máximo), que são responsáveis pelos grandes movimentos e pela maior absorção de impacto propriamente dita, e os menores e mais profundos, que trabalham mais na estabilização dos quadris. Além disso, o abdome tem papel importante no controle da bacia, que tem relação direta com os quadris.
 
Porém, mesmo com esses músculos presentes e fortes, podemos não estar treinados a usá-los adequadamente. “É como se tivéssemos uma caixa de ferramentas completíssima para um serviço, mas só estivéssemos treinados a usar chave de fenda e martelo. Assim, a estabilidade dos quadris acontece fora do movimento ideal e isso altera a distribuição do impacto, o que gera pontos de sobrecarga ao longo do corpo e eventuais dores ou lesões”, afirma Renan. Esse é um dos fatores de risco, mas é claro que há outras questões envolvidas e que, combinadas, aumentam a chance de você se machucar, como o volume grande de treinos, sobrepeso e fadiga, entre outros.

Controle é tudo
Um músculo que aparece com frequência ligado à má postura na corrida é o iliopsoas. Ele é responsável pelo movimento de levar a coxa à frente, e muitas vezes não atingimos o movimento desejado porque não estamos estendendo completamente o quadril. “A falta de flexibilidade no iliopsoas pode interferir no movimento, mas não é a única causa e, na minha opinião, nem é a principal. Na maioria das vezes, o que acontece é que a forma como nos movimentamos coloca os músculos para funcionar em posição encurtada, apesar de ele ter comprimento suficiente para o que queremos fazer — o que pode ser corrigido por meio da postura”, diz Renan.

Uma lesão de sobrecarga relativamente frequente na região dos quadris é a bursite. Na parte mais saliente do quadril localiza-se uma região do fêmur chamada de trocânter maior. A bursa está sobre o trocânter. Agora imagine bolsinhas com líquido que ficam entre o osso e os tendões que passam por ali, para que não haja atrito. A inflamação dessas bolsinhas é denominada bursite.
Essa dor apresenta-se na parte lateral do quadril e é mais intensa quando o atleta deita sobre esse lado, corre ou cruza as pernas. A bursite é mais comum nas mulheres, naquelas pessoas que têm uma perna mais comprida que a outra e também naquelas que apresentam ainda a síndrome da banda iliotibial e obesidade. Mas atenção: é preciso diferenciar bursite de lesões nos tendões e outras estruturas que rodeiam a articulação, como as fraturas por estresse. Como aliviá-la? “Por se tratar de uma lesão de sobrecarga, ou seja, que acontece por pequenas forças mal distribuídas e repetidas ao longo do tempo, o tratamento definitivo é a identificação e correção do desvio de movimento gerador daquela sobrecarga. Porém, é fundamental o tratamento local, principalmente em sua fase aguda, que pode envolver anti-inflamatórios, fisioterapia e repouso das atividades que geram dor”, afirma Renan.


 
 
Evite deitar ou apoiar-se sobre o lugar onde se apresenta o desconforto. Em alguns casos, pode ser indicado a aplicação de injeções diretas de cortisona para desinflamação. Para saber qual tratamento é o mais indicado no seu caso, sempre procure um profissional especialista em medicina esportiva.
Outras lesões por sobrecarga comuns na região dos quadris e que também têm relação com falhas na qualidade de sua estabilização durante a corrida são as tendinopatias de glúteo médio e mínimo e a síndrome do piriforme (irritação do nervo ciático provocada pelo aumento da tensão ou espasmo do músculo piriforme).

Caminho das pedras
Nenhuma técnica é solução definitiva para correr livre de lesões e de forma eficiente para todos, pois cada corpo, conforme suas características, varia um pouco a posição, a amplitude e a frequência da passada para economizar energia. Mas, para evitar lesões na região dos quadris, o caminho mais eficiente é trabalhar a musculatura e a postura. Como as lesões por sobrecarga são as mais frequentes na corrida, ter atenção à forma como nos movimentamos pode ser o melhor caminho para uma corrida eficiente e saudável. Hoje existem especialistas que filmam seus treinos e avaliam cada aspecto do movimento. E, a partir daí, fazem um trabalho que inclui alongamento, fortalecimento direcionado às necessidades individuais do atleta e reeducação do gesto da corrida.
Quer dar o primeiro passo? Procure um ortopedista ou fisioterapeuta especialista em medicina esportiva (e especialmente em corrida) para que ele avalie sua técnica e postura. Para melhorar a condição dos seus quadris a partir de hoje, inclua na rotina os exercícios de alongamento e fortalecimento ilustrados acima. O centro de sua corrida não são as pernas, mas sim tudo o que vem dos quadris.

 Fonte: revista runners
 Novembro 2012

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